TRIBUTAÇÃO DA RENDA DA PESSOA FÍSICA NO BRASIL: ANÁLISE DO DOS ÚLTIMOS 27 ANOS COMO BASE PARA REFLEXÃO E DEBATE COM VISTA À REFORMA TRIBUTÁRIA

Paulo Henrique Pêgas e Leandro Paulsen

Resumo: O artigo fornece subsídios para a reforma tributária em matéria de imposto sobre a renda da
pessoa física (IRPF). Mediante análise dos últimos 27 anos do IRPF no Brasil, demonstra que a legislação
específica não cumpre os critérios constitucionais de generalidade, universalidade e progressividade que
deveriam permear esse imposto, e que também viola a capacidade contributiva, a isonomia e a neutralidade.
Analisam-se os períodos de 1996 a 2004, 2005 a 2015 e 2016 a 2022. Aponta-se a defasagem da tabela
progressiva e dos limites para dedução de despesas. Expõe-se o modelo de tributação denominado splitting familiar, capaz de dar maior pessoalidade ao imposto e de resguardar o mínimo vital dos integrantes da família. Critica-se a desoneração das pensões decorrentes do Direito de Família determinada pelo STF.
Demonstra-se que há múltiplos regimes de tributação da pessoa física com incidências em separado e
exclusivas na fonte que implicam tratamento diferenciado e mais benéfico para titulares de rendas maiores.
Faz-se o cotejo da distribuição de renda e do crescimento patrimonial dos contribuintes nos últimos 14
anos. Demonstra-se que a legislação induziu o fenômeno da “pejotização”. Apresentam-se propostas para
alteração da legislação do IRPF.
Palavras-chave: Reforma tributária – IRPF – Capacidade contributiva.

Abstract: The article provides subsidies for tax reform in terms of personal income tax (IRPF). Through an
analysis of the last 27 years of the IRPF in Brazil, it demonstrates that the specific legislation does not meet the constitutional criteria of generality, universality and progressivity that should permeate this tax, and that it also violates the ability to pay, isonomy and neutrality. The periods from 1996 to 2004, 2005 to 2015 and 2016 to 2022 are analyzed. The lag of the progressive table and the limits for deducting expenses are pointed out. The taxation model called family splitting is exposed, capable of giving greater personality to the tax and safeguarding the minimum vital of family members. The exemption of pensions resulting from Family Law determined by the STF is criticized. It demonstrates that there are multiple individual taxation regimes with separate and exclusive incidences at source that imply differentiated and more beneficial treatment for holders of higher incomes. It compares the income distribution and the wealth growth of taxpayers over the last 14 years. It is demonstrated that the legislation induced the phenomenon of “pejotization”. Proposals are presented to amend the IRPF legislation.
Keywords: Tax reform – IRPF – Ability to pay.

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Paulo Henrique Pêgas é professor, contador e Mestre em Ciências Contábeis pela UERJ, tendo atuado profissionalmente por 37 anos, 90% do tempo na área contábil – tributária e 2/3 em funções executivas, principalmente em instituições financeiras. Foi Superintendente de Risco de Crédito do BNDES no biênio 2019 -2020. Desde 2011 é professor titular no curso de graduação em Ciências Contábeis do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC – RJ).
Atua há 15 anos como professor em cursos de MBA na Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras ( FIPECAFI -SP) e em outras instituições. É conselheiro do CRC- RJ e autor de alguns livros na área contábil -tributária, sendo o principal o Manual de Contabilidade Tributária – 10ª edição.
Leandro Paulsen é Desembargador da 1ª Turma do TRF4, Doutor em Direitos e Garantias do Contribuinte
e Doutorando em Administração, Fazenda e Justiça no Estado Social pela Universidade de Salamanca
(Espanha), Mestre em Teoria do Direito pela UFRGS, e Especialista em Filosofia e Economia Política pela
PUCRS. Autor, dentre outras, das obras Curso de Direito Tributário Completo (14ª ed., 2023) e
Constituição e Código Tributário Comentados à Luz da Doutrina e da Jurisprudência (19ª ed., 2023) e,
em co-autoria com José Eduardo Soares de Melo, da obra Impostos Federais, Estaduais e Municipais (12ª
edição, 2022).
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Sumário: 1. Introdução: a reforma tributária mediante adequação da legislação ordinária ao que já está bem desenhado no texto constitucional em matéria de imposto de renda da pessoa física (IRPF). 2. Os princípios da capacidade contributiva e da isonomia afetados a esse imposto. 3. Os condicionantes materiais específicos da competência da União para a instituição do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza: generalidade, universalidade e progressividade. 4. Outro princípio a ser observado: a neutralidade da tributação. 5. Conjuntura da evolução legislativa e possíveis inconsistências da legislação do imposto sobre a renda da pessoa física. 6. De 1996 a 2004: forte defasagem na atualização da tabela progressiva ou base inicial fora da realidade brasileira? 7. De 2005 a 2015: atualização anual da tabela e forte migração dos rendimentos do trabalho para rendimentos isentos. 8. De 2016 a 2022: sete anos sem atualização da tabela progressiva. 9. A necessidade de se elevar consideravelmente as deduções por dependentes e com educação ou de se adotar o sistema de splitting familiar para a tributação da renda familiar. 10. O entendimento do STF que desonera as pensões decorrentes do Direito de Família como geradora de violação à capacidade contributiva. 11. Arrecadação do imposto sobre a renda e sua participação no orçamento público. 12. O círculo da pejotização: migração dos rendimentos da pessoa física para a pessoa jurídica e seu retorno à pessoa física como distribuição de lucros isenta. 13. Análise da distribuição da renda e do crescimento patrimonial nos últimos 14 anos no modelo atual de tributação. 14. Como ajustar a legislação brasileira às diretrizes constitucionais, buscando justiça tributária no imposto sobre a renda da pessoa física no Brasil. 15. Considerações finais.

  1. Introdução: a reforma tributária mediante adequação da legislação ordinária ao
    que já está bem desenhado no texto constitucional em matéria de imposto de renda
    da pessoa física (IRPF).
    Reforma tributária é assunto recorrente desde o surgimento da Constituição da
    República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988, embora tenha ela redesenhado o
    sistema tributário nacional (arts. 145 a 162 e 195). O próprio constituinte fez constar do
    Ato das Disposições Constitucionais Transitórias a previsão da sua revisão após cinco
    anos (art. 3º). E muitas foram, efetivamente, as emendas constitucionais que alteraram
    seus dispositivos.
    Um breve olhar para o seu texto evidencia inclusões, supressões e modificações pelas
    Emendas Constitucionais 03/1993, 20/1998, 29/2000, 37/2002, 33/2001, 39/2002,
    42/2003, 44/2004, 55/2007, 75/2013, 84/2014, 87/2015, 103/2019, 108/2020, 112/2021,
    113/2021, 116/2022, 126/2022. Nada menos que 18 alterações em menos de 35 anos de
    Constituição, mais de uma a cada dois anos. Em geral, porém, foram pontuais, específicas.
    Com a tramitação das PECs 45 e 110, de 2019, oriundas da Câmara e do Senado, é
    que restaram propostas alterações mais profundas na tributação do consumo, ainda em
    tramitação, procurando-se alterar o modelo com vista à simplificação e à neutralidade,
    dentre outros objetivos.
    Mas reforma tributária é tema que transcende o plano constitucional e que também
    deve ser estendida à tributação do patrimônio e da renda, merecedoras que são de
    aperfeiçoamentos.
    Há pontos muito bem traçados no próprio texto original da Constituição de 1988 e
    que não carecem de mudanças constitucionais, mas, isso sim, de implementação adequada
    pela legislação ordinária. A tributação sobre a renda conta com poucos e importantes
    dispositivos constitucionais que: a) levam em conta a forma federativa de estado ao
    repartirem o produto da sua arrecadação entre a União, os Estados e os Municípios; b)
    delimitam sua base econômica ao outorgarem à tributação as rendas e proventos de
    qualquer natureza;
    c)estabelecem diretrizes a serem observadas, apontando a generalidade, a universalidade e a progressividade.

Nessa linha, não são necessárias propostas de emenda constitucional, mas, isso sim, projetos de lei ordinária capazes de aperfeiçoar a tributação da renda. Nesse sentido, há algumas iniciativas, mas, a nosso ver, bastante pontuais e limitadas, como a que trata da tributação de juros e dividendos. Os projetos são, ainda, tímidos e seletivos, não chegando a corrigir de modo mais abrangente as violações às diretrizes de generalidade, universalidade e progressividade e de plasmar, de vez, a capacidade contributiva, a isonomia e a neutralidade da tributação.
É preciso um olhar mais amplo sobre a tributação da renda da pessoa física, que dê clareza sobre a legislação e seus efeitos, sobre os recortes e as particularidades que contempla, para que possamos traçar um diagnóstico sobre o seu nível de adequação ou aderência aos ditames constitucionais e vislumbrar as alterações necessárias.

Para tanto, impende que se tenham claras as diretrizes constitucionais em matéria de imposto de renda, bem compreendendo o sentido e o alcance daquilo que orienta e conforma o legislador ordinário, bem como que se tenham nítidos os dados empíricos que evidenciam as inconsistências e as injustiças da tributação da renda da pessoa física no Brasil. Este é o objeto do breve texto que se apresenta.

  1. Os princípios da capacidade contributiva e da isonomia afetados ao imposto sobre
    a renda da pessoa física.
    A Constituição Federal é claríssima ao estabelecer, no art. 145, § 1º, que “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”
    Com isso, positiva o princípio da capacidade contributiva, que orienta toda a tributação.
    O Estado deve tributar de modo que as pessoas participem do custeio das despesas públicas na medida da sua capacidade econômica. Assim já ensinavam BERLIRI e JARACH. . No Estado Social, é preciso olhar para o cidadão e ver em que medida pode contribuir individualmente para o financiamento das políticas púbicas.
    Quando a Constituição autoriza a tributação da renda (art. 153, III), o faz tendo em conta a renda enquanto manifestações de capacidade contributiva.
    Na análise da base econômica “renda e proventos de qualquer natureza” para a determinação daquilo que pode ou não ser alcançado pela tributação, o princípio da capacidade contributiva assume papel fundamental. A um só tempo, o princípio da capacidade contributiva inspira e limita o legislador, constituindo, ainda, farol para o intérprete e o aplicador das normas tributárias.
    E note-se que a base renda ou proventos de qualquer natureza, enquanto revelação de disponibilidade de riqueza nova, atual, é índice inequívoco de capacidade contributiva, revelando, por excelência, a possibilidade ou não de contribuir para as despesas públicas.
    3
    “Capacità contributiva vuol dire capacità economica di concorrere alle pubbliche spese” (BERLIRI,
    Antonio. Principi di diritto tributario. v. I. 2. ed. Milão: Giuffrè, 1967, p. 264).
    “Que es la capacidad contributiva? Es la potencialidad de contribuir a los gastos públicos que el legislador atribuye al sujeto particular. Significa al mismo tiempo existencia de una riqueza en posesión de una persona o en movimiento entre dos personas y graduación de la obligación tributaria según la magnitud de la capacidad contributiva que el legislador le atribuye” (JARACH, D. El hecho imponible. Teoría general del derecho tributario sustantivo. 2. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1971, p. 87).
    TIPKE, Klaus. Moral tributária do Estado e dos contribuintes. Título original: Besteuerungsmoral und
    Steuermoral. Tradução de Luiz Dória Furquim. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2012, p. 20.
    Havendo disponibilidade econômica ou jurídica de renda suficiente, e se fazendo necessário arrecadar para o financiamento das despesas públicas, não se justifica deixar certas rendas ou proventos à margem da tributação. Mas não é possível vislumbrarmos, por exemplo, nos rendimentos necessários à própria subsistência do contribuinte, capacidade contributiva, porquanto tal atentaria contra a própria dignidade humana ao comprometer o núcleo essencial dos direitos fundamentais do indivíduo. De outro lado, mesmo quando presente a capacidade contributiva em face de rendimentos significativos, não se pode extrapolar para uma tributação demasiadamente onerosa, que desborde para o confisco. A elevada capacidade econômica de determinados contribuintes não é pretexto para tributação exagerada que, abandonando a ideia de contribuição para as despesas públicas, suprima o direito ao produto do trabalho e da atividade econômica em
    geral.
    Voltemos nossa atenção, novamente ao dispositivo constitucional que estampa o princípio da capacidade contributiva. Lembre-se que o art. 145, § 1º, da CF principia afirmando que, “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal”. E o imposto de renda da pessoa física é o tributo mais talhado à pessoalidade. De modo a individualizar-se a capacidade contributiva de cada contribuinte, toma-se o cuidado de se ter em conta a pessoa do contribuinte no seu contexto pessoal e familiar, como provedor das necessidades básicas, inclusive de saúde e educação, suas e das pessoas que dele dependam. Ou seja, considera-se não apenas a dimensão dos rendimentos, mas a necessidade que deles tem o contribuinte, considerada a sua particular situação, tendo em conta a dignidade da pessoa humana e o fato de que é a própria pessoa a responsável primeira e direta por buscar, com o exercício do seu trabalho ou com outras atividades lucrativas, satisfazer as necessidades, suas e de sua família, catalogadas como direitos individuais e sociais.
    Outro ponto que precisa ser analisado, como premissa para a análise da aderência da legislação do imposto sobre a renda da pessoa física à Constituição, é a correlação entre os princípios da capacidade contributiva e da isonomia tributária. FÁBIO CANAZARO ilumina a questão, ensinando que a capacidade contributiva “apresenta-se como um critério de comparação, garantindo a igualdade horizontal e a igualdade vertical, em relação à graduação do ônus de alguns tributos”. Nessa linha, frisa que a “igualdade horizontal é promovida por meio da edição de lei que estabeleça
    tratamento equânime para contribuintes que possuam a mesma capacidade para suportar
    o encargo fiscal”, enquanto a “igualdade vertical é promovida por meio da edição de
    norma que estabeleça tratamento diverso para contribuintes com capacidades diversas”.

    A igualdade, diga-se, é valor de enorme destaque numa república, configurando princípio geral de direito que se projeta, na tributação, sob a denominação de isonomia tributária. Conforme ROQUE CARRAZZA, “com a República, desaparecem os privilégios tributários de indivíduos, de classes ou de segmentos da sociedade”, o que significa que “todos os que realizam a situação de fato a que a lei vincula o dever de pagar um dado tributo estão obrigados, sem discriminação arbitrária alguma, a fazê-lo”, porquanto “o sacrifício econômico que o contribuinte deve suportar precisa ser igual para
    todos”.CANAZARO, Fábio. Essencialidade tributária: Igualdade, capacidade contributiva e extrafiscalidade na tributação sobre o consumo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 153.
    PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2023.
    CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros,
    2017, p. 71 e s.

    Como regra, a igualdade perante a lei (1: submissão de todos à lei) e na lei (2: tratamento legal igualitário) não precisa ser justificada; a desigualdade, sim. De outro lado, a busca de justiça faz com que se deva ter preocupação não apenas com a igualdade formal, mas também com as circunstâncias materiais de cada pessoa, o que acaba justificando e até mesmo impondo que a lei considere as diferenças entre contribuintes para buscar tratamentos adequados a cada qual, o que, em se tratando de imposto de renda da pessoa física, pode ocorrer, por exemplo, com a cobrança de tributo em percentuais distintos conforme a riqueza ostentada pelos contribuintes, em atenção à sua capacidade contributiva. Cabe apontar, ainda, a necessidade de igualdade na aplicação da lei, para que seus preceitos sejam efetivos. Tratam-se de perspectivas do mesmo princípio.

O art. 150, II, da Constituição Federal impede que haja diferenciação tributária entre contribuintes que estejam em situação equivalente, vedando aos entes políticos “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.
Esse dispositivo não dei a espaço para simples privilégios em favor de tais ou quais contribuintes.
que a diferenciação arbitrária é vedada, mas também que as diferenciações, ainda quando fundadas, devem guardar razoabilidade e proporcionalidade, justificando-se tanto a sua existência com a sua medida. ANDREI PITTEN VELLOSO ensina, ainda, que “deve haver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a dessemelhança da(s) propriedade(s) levada(s) em consideração (diferença fática) e a diferenciação jurídica”, pois, “mesmo que haja distinção de capacidade contributiva entre os contribuintes do Imposto de Renda e sejam estabelecidos gravames tributários diferenciados […], é mister
que a diferenciado de carga tributária seja adequada e proporcional à dessemelhança
fática apurada”.

Mas isso deve ser considerado na sua complexidade: impõe não apenas

  1. Os condicionantes materiais específicos da competência da União para a instituição do imposto sobre a renda generalidade, universalidade e progressividade. e proventos de qualquer natureza:
    O Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR), no Brasil, é o principal imposto outorgado à União (art. 153, III, da CF), que exerce a competência legislativa, instituindo o tributo por lei ordinária e que também figura como seu sujeito ativo, cumprindo as funções fiscais de regulamentação, fiscalização e cobrança (art. 119 do CTN). É administrado pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, órgão do Ministério da Fazenda.


“Do princípio fundamental da igualdade derivam dois deveres: o dever de tratamento igualitário e o dever de contributiva e extrafiscalidade na tributação sobre o consumo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015, p. 152).
“[…] privilegios, en el estricto sentido de la palabra, es decir, en el sentido de disposiciones excepcionales, no justificadas por un determinado fin de utilidad pública, no pueden existir en el Estado moderno, estando excluidos por disposiciones acogidas en todas las Constituciones, que proclama la igualdad de todos los miembros del Estado ante el deber tributario” (VANONI, E. Natura ed interpretazione delle leggi tributarie. 1932. A transcrição é da edição espanhola de 1961 publicada pelos Instituto de Estúdios Fiscales, Madri, p. 159).
VELLOSO, Andrei Pitten. Constituição tributária interpretada. São Paulo: Atlas, 2007, p. 136. tratamento diverso” (CANAZARO, Fábio. Essencialidade tributária: Igualdade, capacidade


O produto da sua arrecadação, porém, não é de titularidade exclusiva da União. Ao cuidar da repartição das receitas tributárias, a Constituição assegura aos Estados e aos Municípios participação na receita do imposto de renda. Conforme os arts. 157, I, e 158, I, da CF, pertence aos Estados, ao DF e aos Municípios o produto da arrecadação do imposto que incide na fonte sobre a renda e proventos pagos por eles. A par disso, o art.
159 da CF com a redação da EC 112/2021, determina à União que entregue 50% do produto da arrecadação do imposto de renda ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (21,5%), ao Fundo de Participação dos Municípios (25,5%), bem como a programas de financiamento ao setor produtivo das Regiões Norte, Nordeste e Centro- Oeste (3%).
Nos últimos anos, passou-se a questionar benefícios fiscais em matéria de imposto de renda concedidos pela União e que reduziriam, reflexamente, o produto repartido com Estados e Municípios. O STF enfrentou recurso de Município para que eventuais isenções concedidas pela União não prejudicassem a repartição do produto do IR. Assim decidiu: “Não se haure da autonomia financeira dos Municípios direito subjetivo de índole constitucional com aptidão para infirmar o livre exercício da competência tributária da União, inclusive em relação aos incentivos e renúncias fiscais, desde que observados os parâmetros de controle constitucionais, legislativos e jurisprudenciais atinentes à desoneração.” E mais: “A expressão ‘produto da arrecadação’ prevista no art. 158, I, da Constituição da República, não permite interpretação constitucional de modo a incluir na base de cálculo do FPM os benefícios e incentivos fiscais devidamente realizados pela União em relação a tributos federais, à luz do conceito técnico de arrecadação e dos
estágios da receita pública”. O direito à parcela do produto da arrecadação não autoriza ao ente destinaário nenhuma ingerência sobre a instituição ou fiscalização do respectivo imposto, que prosseguem observando a legislação do ente titular da competência tributária, o que aliás, resta estampado no art. 6º, parágrafo único, do CTN.
Acresça-se, ainda como premissa para a análise que faremos neste artigo, que a Constituição, ao atribuir competência à União para que institua imposto sobre “renda e proventos de qualquer natureza”, o faz fixando os critérios a serem observados na sua instituição: generalidade, universalidade e progressividade. É o que consta no seu art. 153, § 2º. Esses critérios específicos apontam, em matéria de imposto sobre a renda, na linha da afirmação dos princípios gerais de direito tributário da capacidade contributiva e
da isonomia. Em outras palavras, indicam como a capacidade contributiva e a isonomia devem operar em matéria de imposto sobre a renda.
Assim, se, de um lado, a extensão dos termos “renda” e “proventos de qualquer natureza” dá o contorno do que pode ou não ser tributado a tal título, não sendo dado ao legislador contributiva, também é certo que o legislador não pode ser indiferente, fazer pouco caso ou, muito menos, legislar em afronta aos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade. Mas o que significam?
extrapolar
a
amplitude
dessas
grandezas
reveladoras
de
capacidade
A generalidade enquanto critério para a instituição do imposto sobre a renda é mais
que a generalidade inerente a toda lei. Não se trata de reiteração de que a lei seja aplicável
a todos. Remete, isso sim, ao seu conteúdo. A lei não pode fazer distinção entre as pessoas
que, percebendo renda, revelem a mesma capacidade contributiva. Todas devem estar
sujeitas ao imposto sobre a renda. ROQUE CARRAZA é enfático ao afirmar que “o
princípio republicano leva ao princípio da generalidade da tributação, pelo qual a carga
tributária, longe de ser imposta sem qualquer critério, alcança a todos com isonomia e
justiça”. E prossegue afirmando que a tributação “não pode atingir apenas um ou alguns
12
STF, RE 705.423, Tribunal Pleno, 2016.
contribuintes, deixando a salvo outros que, comprovadamente, se achem nas mesmas
condições”.
13
A universalidade, por sua vez, é critério segundo o qual o imposto de renda deve
abranger quaisquer rendas e proventos auferidos pelo contribuinte ou seja, alcançar as
diversas espécies de rendimentos, indistintamente. Desse modo, o critério constitucional
da universalidade impõe que se considere a totalidade das rendas do contribuinte como
uma unidade, sem estabelecer distinções entre categorias de rendas para efeito de
tributação diferenciada.
O dimensionamento da tributação da renda da pessoa física não pode ser feito
mediante a exclusão, a priori, de determinadas rendas ou proventos da sua base,
porquanto isso violaria a universalidade exigida pela Constituição. Alíquotas específicas
menos gravosas ou mesmo alíquota zero, isenções e outros modos de desoneração
dependem, isso sim, da consideração da pessoa do contribuinte com os seus encargos. A
já referida pessoalidade do imposto sobre a renda é traço que autoriza a consideração das
circunstâncias subjetivas do contribuinte e que se presta para a diferenciação de
tratamento em face das capacidades contributivas em concreto.
Finalmente, a progressividade adentra o dimensionamento do ônus fiscal, apontando
para uma variação positiva da alíquota à medida que haja aumento da base de cálculo, de
modo que os contribuintes sejam mais tributados à medida em que revelem mais
capacidade contributiva. A progressividade que atende à capacidade contributiva é a
gradual, aquela estabelecida por faixas de rendimentos, cada qual submetida à alíquota
que lhe corresponde. Embora o STF tolere sistemas de progressividade simples, como se
infere do inteiro teor do julgado que definiu a tese do Tema 833 do STF (RE 852796,
2021), trata-se de decisão de todo equivocada. Ademais, a própria legislação do imposto
de renda contempla a progressividade gradual, de modo que a questão não é, em matéria
de imposto de renda, problemática sob a perspectiva da sistemática adotada.
A progressividade constitui técnica de agravamento do ônus tributário conforme o
aumento da base de cálculo. Não se confunde com a seletividade, pois esta implica
tributação diferenciada conforme a qualidade do que é objeto da tributação, prevista, pela
Constituição, para IPI e o ICMS, tendo em conta a essencialidade do produto (que
também é índice de capacidade contributiva), e para o IPTU, admitindo-se a consideração
do uso do imóvel como critério distintivo.
Dos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, infere-se que o
imposto de renda constitucionalmente autorizado seria aquele em que todos a ele
estivessem
considerados, com carga gradualmente progressiva conforme a capacidade contributiva
de cada qual revelada pelo conjunto dos seus rendimentos.
sujeitos
e
pagassem
sobre
a
totalidade
dos
rendimentos
auferidos
Essas diretrizes, diga-se, não são sugestões ao legislador. Há muito se tem clara a
força normativa da Constituição,
sob pena de invalidade da produção legislativa.
14
a impor a adequação do legislador aos seus preceitos,
Mas a legislação brasileira do imposto de renda da pessoa física destoa, e muito, das
diretrizes constitucionais. O legislador desonera por completo a percepção de lucros e
dividendos por sócios, acionistas ou titulares de empresa individual, enquanto tributa a
distribuição de lucros aos empregados e, sobretudo, os rendimentos do trabalho e verbas
13
CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros,
2017, p. 71 e s.
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição (Tít. original: Die Normative Kraft der
Verfassun). Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991.
14
oriundas de aposentadorias e pensões. Mais que gotejam, transbordam inconsistências e
injustiças. O legislador estabeleceu regimes específicos para a tributação dos rendimentos
de aplicações financeiras e de outros ganhos de capital, sujeitos a alíquotas distintas
daquelas aplicáveis aos rendimentos em geral, sujeitos à tabela progressiva.

  1. Outro princípio a ser observado: a neutralidade da tributação
    Nos debates sobre a reforma tributária, vem sendo destacada a importância de se
    estabelecer um sistema marcado pela neutralidade. Eurico Diniz de Santi, por exemplo,
    afirmou que “a lei tributária precisa ser Simples para o contribuinte, Isonômica, Neutra,
    Transparente e Arrecadadora (Sinta)”.
    15
    Mas o que significa, afinal, neutralidade? Estaria vinculada aos tributos que incidem
    sobre a atividade econômica das empresas, restringindo-se à implementação da não
    cumulatividade ampla dos impostos sobre o consumo, ou deve ser uma característica do
    sistema como um todo? Colhemos algumas lições sobre esse princípio.
    Ensina-se: “… a neutralidade é um princípio clássico da tributação, tão basilar que,
    como lembra Maurice Duverger, era considerado demasiado óbvio para ser incluído nos
    manuais. Aponta no sentido de que os impostos não devem exercer pressões no sentido
    de orientar a conduta do contribuinte em tal ou qual direção: isto é, o imposto deve ser
    neutro”. GOLSDSCHMIDT também esclarece que o princípio da neutralidade, na sua
    faceta de vedação de interferência no mercado, “é também chamado por alguns autores
    de ‘princípio antidirigista’, como se lê na obra de Fritz Neumark” e que “visa a evitar que,
    através de medidas fiscais, exerça-se influência sobre as escolhas que os empresários têm
    de fazer entre os diferentes processos produtivos, as distintas formas jurídicas das
    empresas, bem como as diferentes formas de financiamento possíveis, pois, a não ser
    assim, restaria afetadas indiretamente as escalas de preferência do consumidor”.
    16
    17
    CALIENDO, por sua vez, destaca que se deve tentar alcançar a “menor influência
    possível nas decisões dos agentes econômicos” e que a neutralidade somente estará
    assegurada “quando não forem produzidas distorções competitivas”. Em outra obra, já
    afirmara que o princípio da neutralidade fiscal estabelece um valor ou fim: “A busca de
    um sistema tributário ótimo, ou seja, que realize as suas funções de financiamento de
    políticas
    interferências nas decisões econômicas”. Do contrário, a tributação acaba sendo vetor de
    diminuição da eficiência e obstáculo ao desenvolvimento,
    que decorre de tratamentos diferenciados para revelações de capacidade contributiva
    equivalentes.
    públicas,
    promoção
    dos
    direitos
    fundamentais,
    evitando
    ao
    máximo
    18
    ou, dizemos nós, da injustiça
    De tudo, extrai-se a necessidade de padrões de tributação que interfiram quanto menos
    possível na atividade econômica, deixando aos agentes econômicos num ambiente de
    liberdade para estruturar suas operações e realizar seus negócios. Afinal, a Constituição
    assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão atendidas apenas as
    qualificações profissionais que a lei estabelecer (art. 5º, XIII) e estampa, como
    15

tributario>. Acesso em: 1º set. 2020. Vide, também: .
GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. O Princípio do Não-Confisco no Direito Tributário. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003, p. 231.
GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. O Princípio do Não-Confisco no Direito Tributário. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2003, p. 231, nota de rodapé 160.
CALIENDO, Paulo. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2009, p. 113.
Disponível
em:
<https://www.conjur.com.br/2018-set-09/entrevista-eurico-santi-professor-direito-
16
17
18
fundamento da ordem econômica, a valorização do trabalho humano e a livre-iniciativa,
determinando, ainda, a observância do princípio da livre concorrência (art. 170, caput e
inciso IV).
Por certo que as revelações de riqueza decorrentes inerentes ao exercício da atividade
econômica podem ser gravadas pela tributação, observadas as normas de competência, as
diretrizes constitucionais e as limitações ao poder de tributar, mas a tributação deve se
apresentar de modo não interventivo, pautando-se pela isonomia, pela capacidade
contributiva, pela uniformidade geográfica, pela vedação de limitação ao tráfego de bens
e de pessoas, pela proibição de diferenciações em razão da procedência ou destino dos
bens e mercadorias, bem como pela vedação do tratamento desigual entre contribuintes
que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de
ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação
jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos, todos preceitos constitucionais.
A tributação, efetivamente, não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para o
custeio das políticas públicas. Quanto menos interventiva for, quanto menos figurar como
uma variável relevante para a tomada de decisões econômicas, menos distorções gerará.
Será neutra a tributação que não produz efeitos indutivos ou inibitórios significativos,
capazes de orientar a tomada de decisões quanto ao exercício das atividades econômica
ou se gerar injustiças marcadas pela violação à isonomia tributária.
Analisando o contraste entre neutralidade e extrafiscalidade, CALIENDO alerta: “A
utilização da função extrafiscal do direito tributário deve ser residual, motivada e, se
possível, temporária. O tributo não pode ser entendido como elemento fundamental de
direção econômica, mas tão somente como meio de regulação excepcional, limitado e
justificado”.
19
Esse princípio de tributação deve estar presente como um traço do sistema,
alcançando a tributação da pessoa física. Quando o tratamento dos rendimentos da pessoa
física e dos ônus previdenciários para o tomador de serviços são submetidos a carga
tributária absolutamente diversa em razão, única e exclusivamente, de o trabalho ser
prestado por autônomo mediante Recibo de Pagamento a Autônomo ou por uma pessoa
jurídica unipessoal mediante emissão de Nota Fiscal, tem-se uma violação enorme ao
princípio da neutralidade e à isonomia da tributação, conforme restará claro mais adiante
neste trabalho. A tributação não deve contemplar tratamentos tributários de tal modo
diversos que obrigue o trabalhador pessoa física a constituir uma pessoa jurídica sob pena
de suportar carga tributária diversas vezes maior numa situação que na outra.

  1. Conjuntura da evolução legislativa e possíveis inconsistências da legislação do
    imposto sobre a renda da pessoa física.
    O Brasil viveu um longo processo inflacionário, que veio dos anos 1940, persistindo
    ao longo das três décadas seguintes, se acentuando nos anos 1980 e na primeira metade
    dos anos 1990, quando chegamos a hiperinflação, trazendo severos prejuízos e
    desorganizando nossa economia. O combate à inflação foi realizado por meio de frágeis
    e mal estruturados planos econômicos, que combinavam congelamento temporário de
    preços, desvalorização cambial e constante troca de moeda, o que gerou baixo
    crescimento econômico, com alguns períodos de recessão. A partir de julho de 1994, com
    o exitoso plano real, saímos dessa espiral inflacionária, reduzindo gradualmente o
    19
    CALIENDO, Paulo. Direito tributário e análise econômica do direito: uma visão crítica. Rio de
    Janeiro: Elsevier, 2009, p. 118.
    processo de indexação, que retroalimentava a inflação e prejudicava sensivelmente nossa
    economia.
    Com isso, após controlar a inflação, o governo promoveu profunda mudança na forma
    de tributação sobre a renda no Brasil a partir de 1996, por meio das Leis nº 9.249/95 e nº
    9.250/95. Os pontos principais são destacados a seguir:
    ▪ Ajuste na tabela progressiva do Imposto de Renda das Pessoas Físicas – IRPF,
    com faixa de isenção de R$ 900, pouco mais de oito salários-mínimos
    próximo de US$ 1 mil, lembrando que a cotação do dólar era pouco menor
    que R$ 1 no final de 1995. A tabela contemplava duas alíquotas: 15% e 25%,
    esta cobrada sobre a parcela da renda mensal acima de R$ 1.800. A alíquota
    máxima teria aumento de 10% a partir de 1998, subindo para 27,5%;
    ▪ Isenção de IRPF na distribuição de lucros e dividendos de qualquer valor;
    ▪ Alíquota de Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas – IRPJ sobre o lucro real,
    presumido ou arbitrado de 15% + adicional de 10% sobre a parcela mensal
    que ultrapassar R$ 20 mil (R$ 240 mil/ano);
    ▪ Alíquota de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL de 8%, sendo
    esta dedutível na sua própria base, o que reduziria a alíquota final para 7,40%.
    Contudo, essa dedução deixou de existir em 1997 e a alíquota variou,
    chegando a 12%, sendo logo reduzida a 9% no começo do século XXI, se
    estabilizando aí, formando alíquota combinada de 34% de IRPJ+CSLL;
    ▪ Criação dos juros sobre capital próprio – JCP, cálculo feito a partir da
    aplicação de taxa de juros específica
    empresas. A atratividade do JCP residia na sua dedução nas bases de IRPJ e
    CSLL da empresa (alíquota combinada de 34% na maioria dos casos), com
    tributação de sócios e acionistas de apenas 15% no imposto de renda, de forma
    definitiva, retido na fonte pela empresa por ocasião do crédito
    ▪ Permissão do uso do lucro presumido para empresas com receita total anual
    até R$ 12 milhões. O lucro presumido seria obtido pela aplicação de 8% sobre
    a receita bruta para atividades comerciais e industriais e de 32% para prestação
    de serviços e locação, enquanto a CSLL teria como base a aplicação de 12%
    20
    e
    21
    sobre o patrimônio líquido das
    22
    ou pagamento.
    23
    .
    As principais justificativas para tais mudanças foram as seguintes:
    ▪ Simplificação da principal tributação da renda pessoal oriunda do capital
    (lucro corporativo distribuído), concentrando a cobrança do IR nas empresas,
    zerando o imposto pessoal do sócio/acionista na distribuição;
    ▪ Dificuldade da fiscalização da chamada Distribuição Disfarçada de Lucros –
    DDL, situação em que as empresas buscam formas alternativas de remunerar
    seus sócios/acionistas com objetivo de reduzir a tributação sobre a (eventual)
    cobrança de IRPF na distribuição de lucros e resultados; e
    ▪ Incentivo ao empreendedorismo interno e atratividade para investidores
    internacionais.
    Sem entrar no mérito econômico da decisão e no seu retorno, o certo é que esse novo
    modelo, combinado a outros fatores, produziu distorções nas relações de trabalho que só
    20
    Lei nº 9.971/2000 definiu no art. 1º o salário-mínimo de R$ 112,00 a partir de maio de 1996.
    Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP, divulgada pelo Banco Central do Brasil – BACEN.
    Considerado pelo registro contábil no passivo do valor líquido individualizado.
    A partir de setembro de 2003, a presunção de lucro na CSLL para receita de serviços passou a ser de
    32%.
    21
    22
    23
    pioraram o já complexo sistema tributário ao longo dos anos e contribuíram para o
    aumento na desigualdade e na concentração de renda no Brasil.
    O ponto inicial da análise será janeiro de 1996, quando as medidas propostas nas Leis
    nº 9.249/95 e nº 9.250/95 entraram em vigor, fazendo a comparação até o mês de
    dezembro de 2022, com os dados oficiais disponibilizados pela Receita Federal do Brasil
    – RFB, em sua página eletrônica. Para simplificar a explicação e facilitar a compreensão
    dos fatos, os 27 anos de defasagem da tabela progressiva do IRPF serão apresentados e
    analisados em três etapas:
    1º) 1996 a 2004, que parte da tabela inicial, com atualização em apenas dois
    momentos: final de 2001, com validade a partir de 2002, e final de 2004, entrando
    em vigor em janeiro de 2005;
    2º) 2005 a 2015, quando a tabela foi atualizada anualmente, por um percentual
    fixo (4,5%) pouco abaixo da inflação na maior parte dos anos; e
    3º) 2016 a 2022, período em que vigorou a mesma tabela progressiva, sem
    atualização.
    No final, o trabalho pretende contribuir para sua reflexão e avaliação dos seguintes
    questionamentos:
  2. A tabela progressiva do IRPF está defasada? Caso positivo, qual o tamanho
    dessa defasagem?
  3. Qual parcela da população brasileira deveria pagar imposto de renda? Essa
    relação percentual deveria ser similar a aplicada em outros países do mundo?
  4. O principal problema da tributação sobre a renda no Brasil é a tabela
    progressiva do IRPF?
    Não é nossa pretensão responder essas perguntas de forma definitiva, pois há
    subjetividade na interpretação e na maneira de ver a tributação como política pública e
    como instrumento de redução na desigualdade, seja social ou de renda. Porém, a ideia é
    fornecer subsídios para que seja possível construir um debate técnico, qualificado,
    produtivo, para que o Brasil possa colocar a tributação sobre a renda como destaque na
    Reforma Tributária que os poderes executivo e legislativo prometem para 2023.
  5. De 1996 e 2004: forte defasagem na atualização da tabela progressiva ou base
    inicial fora da realidade brasileira?
    A base de cálculo do IRPF foi atualizada trimestralmente até o final do ano de 1995.
    A Lei nº 9.250/95, em seu art. 3º, estabeleceu que o cálculo mensal do IRPF a partir de
    janeiro de 1996 deveria seguir a tabela progressiva apresentada a seguir:

Essa faixa de isenção de R$ 900 aplicada para o ano de 1996 parecia elevada,
representando oito salários-mínimos ou US$ 925 a época. O número de declarantes
naquele ano ficou em 7,6 milhões de contribuintes, apenas 4,6% da população, estimada
em 166 milhões de habitantes, percentual muito menor que países como Canadá e EUA,
por exemplo.
Essa tabela ficou seis anos (1996 a 2001) sem qualquer atualização, enquanto o
IPCA
chegou a 14,8 milhões em 2001.
24
do período ultrapassou 47%, quase dobrando o número de declarantes, que
A tabela mensal foi atualizada em 17,6% no final de 2001, com validade a partir de
janeiro de 2002, conforme a tabela apresentada a seguir:

Assim, a partir de 2002, passou a pagar IRPF o contribuinte com renda mensal
(líquida) acima de R$ 1.058, algo em torno de cinco salários-mínimos, o que parecia mais
realista e alinhado com outros países do mundo. Quem usa 1996 como ponto de partida
aponta a primeira defasagem no período 1996-2002, pela diferença entre a inflação
acumulada do período (47,6%) e a atualização da tabela progressiva (17,6%).
Essa nova tabela ficou congelada por três anos, entre 2002 e 2004, elevando o número
de declarantes nesse último ano para quase 20 milhões de pessoas, representando pouco
mais de 10% da população total. A inflação acumulada do triênio, medida pelo IPCA,
chegou próxima de 32% e a faixa de isenção ficou pouco acima de quatro salários-
mínimos no final de 2004
mais uma defasagem em relação a inflação oficial (32%) do período.
25
. Para 2005, o governo atualizou a tabela em 10%, gerando

24
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, calculado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística -IBGE, que representa a base de mensuração da inflação no Brasil.
O salário-mínimo passou para R$ 260 a partir de maio de 2004, conf. Lei nº 11.088/04.
25
Teoricamente, nesses primeiros nove anos de análise (JAN/96 a DEZ/04), temos:
▪ IPCA acumulado do período
▪ Atualização da tabela (faixa de isenção)

= 94,7%
= 29,3%
Assim, se fosse simplesmente indexada ao IPCA, a faixa de isenção passaria dos R$
900 em 1996 para R$ 1.752 a partir de janeiro de 2005. A tabela acima sinaliza uma perda
pouco acima de 50%, o que contribuiu decisivamente para elevar a base de declarantes,
que cresceu 156% de 1996 para 2004. Contudo, vale sempre pontuar o quão exagerado
era aquele valor de R$ 900 na partida, em janeiro de 1996, especialmente num país de
renda baixa, como é o Brasil.

  1. De 2005 a 2015: atualização anual da tabela e forte migração dos rendimentos do
    trabalho para rendimentos isentos
    Com o ajuste na tabela progressiva aplicado para o ano de 2005, os contribuintes com
    renda mensal de quatro salários-mínimos (R$ 300 x 4 = R$ 1.200) estavam pouco acima
    da faixa de isenção, porém não pagando IRPF por conta da possibilidade do uso do
    desconto padrão de 20%, que substitui as demais deduções, permitindo ao contribuinte
    entregar sua declaração anual no modelo simplificado.
    A partir daí (2005), a tabela passou a ser atualizada anualmente (entre 2006 e 2015),
    sempre em 4,5%, independente da inflação anual medida pelo IPCA. Em 2009 foram
    criadas mais duas alíquotas, antes e depois da alíquota de 15%. Assim, passamos a ter
    quatro alíquotas: 7,5%, 15%, 22,5% e a alíquota máxima mantida em 27,5%.
    Para ilustrar, veja a seguir a tabela para o ano de 2014 que, excepcionalmente, durou até
    março de 2015:

Finalmente, em março de 2015, aconteceu a última atualização da tabela progressiva
do IRPF, por meio da Medida Provisória nº 670/15, convertida posteriormente na Lei nº
13.149/15 e que está em vigor no início de 2023. A atualização foi 6,5%, diferentemente
das correções anuais desde 2005, que foram de 4,5%. Nessa linha, é importante apresentar
mais uma pequena defasagem da atualização da tabela (em torno de 10%), no período
entre janeiro de 2005 e março de 2015:

  • IPCA acumulado do período de JAN/05 a MAR/15
    = 74,2%
  • Atualização da tabela (faixa de isenção) no período de JAN/05 a MAR/15
    = 63,6%

A declaração de IRPF alcançou 27,5 milhões de contribuintes nos anos de 2014 e
2015, com aumento acima de 20% sobre o número de declarantes de 2005, por conta
principalmente de dois fatores integrados:

  1. Crescimento do Produto Interno Bruto – PIB, redução do desemprego e
    aumento da renda média, principalmente no período de 2005 a 2012 ; e
  2. Atualização da tabela progressiva em percentual inferior à inflação e ao
    crescimento do PIB.
    26
    Entregaram sua declaração de renda em 2015 13,5% da população brasileira,
    percentual 30% maior que o registrado em 2004, sendo quase o triplo da parcela que
    entregou a declaração no ano de 1996. Chegamos assim na tabela que está vigente desde
    abril de 2015 e que completará oito anos sem atualização no mês de março de 2023.

Essa faixa de isenção de 2015 correspondia a 2,42 salários-mínimos (R$ 788) naquele
ano. Como lembrança, a faixa de isenção em 1996 (R$ 900) correspondia a mais de oito
salários-mínimos. Mas, o maior percentual de defasagem (congelamento) da tabela
progressiva acontece a partir de abril de 2005, considerando os 93 meses sem qualquer
atualização e que será explicado na sequência.

  1. De 2016 a 2022: sete anos sem atualização da tabela progressiva
    A tabela progressiva vigente desde abril de 2015 era a mesma no final de 2022 e, a
    princípio, será a mesma durante o ano de 2023. A inflação medida pelo IPCA de abril de
    2015 até dezembro de 2022 ficou em 55,5% e a tabela progressiva não teve qualquer
    atualização durante esses quase oito anos. Se você desconsiderar as perdas anteriores e
    que a última tabela estava adequada, precisando apenas de atualização, a nova tabela
    vigente para 2023 seria a seguinte:

26
Ver estudo técnico preparado pela equipe técnica do BNDES em
https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/961/1/A%20economia%20brasileira-
conquistas%20dos%20ultimos%20dez%20anos%20_P-final_BD.pdf

É possível fazer algumas simulações nos sete anos sem atualização (2016 a 2022) e
também para o ano de 2023, com o objetivo de avaliar possíveis perdas para os
contribuintes e, logicamente, maior arrecadação para os entes estatais. Para fins de
simplificação, serão analisadas duas possíveis situações (hipotéticas):

  1. Se a tabela fosse ajustada anualmente desde 2016, pelo IPCA do ano anterior,
    seria possível estimar perda total para os brasileiros que pagam IRPF de R$
    170 bilhões, com consequente aumento da arrecadação no mesmo período. Os
    economistas podem fazer suas contas e avaliar o impacto final desse valor que,
    na prática, saiu do bolso dos contribuintes e entrou nos cofres públicos
    (união, estados e municípios).
  2. Se a tabela fosse atualizada apenas no final de 2022, valendo para o ano de
    2023, pelo IPCA acumulado do período 2016-2022 (55,5%), a perda estimada
    de arrecadação no ano seria em torno de R$ 5 bilhões por mês em média,
    totalizando 60 bilhões no ano.
    27

Todavia, embora seja importante conhecer esses números, a análise parte da premissa
que a tabela de 2015 estava adequada a nossa economia, nível de renda, carga tributária
e sua distribuição, o que precisa ser investigado com maior profundidade. A renda média
do brasileiro era de R$ 2.737 no final de 2022, conforme informações do IBGE
se simplesmente fosse feita essa atualização na tabela, de 55,5%, a estimativa é que a base
de declarantes (mais de 36 milhões entregaram a declaração em 2022, segundo a RFB)
seria reduzida em uns 30%, caindo para algo em torno de 26 milhões de pessoas, 12% da
população brasileira. Assim, pensando de forma serena e sem populismo panfletário,
dificilmente o gestor público poderia ter atualizado a tabela nesse patamar, pois tal fato
representaria renunciar à expressivo volume de recursos, o que comprometeria (ainda
mais) o orçamento fiscal no curto/médio prazo, aumentando a relação dívida pública/PIB
e prejudicando certamente os brasileiros mais necessitados/vulneráveis no futuro.
28
. Então,
Se a análise retroagir a janeiro de 1996, a atualização pelo IPCA levaria a faixa de
isenção para R$ 4.743, correspondendo a 3,6 salários-mínimos (R$ 1.302). Ocorre que
esse ajuste faria com que a base de contribuintes caísse ainda mais, alcançando apenas 17
milhões de declarantes, talvez inviável a curto prazo.
A análise da situação brasileira precisa de uma base de comparação internacional,
para apoio na tomada de decisão. Passeando pelo mundo, Carvalho Junior
a faixa de isenção média do IRPF nos países da OCDE
em 2020, em torno de 50% acima da nossa. Contudo, é importante não esquecer que a
29
explica que
estava na faixa de R$ 2.832
30
31

27
A união cobra, arrecada e fiscaliza o IRPF, mas destina obrigatoriamente 25,5% aos municípios, 21,5%
aos estados e 3% aos bancos regionais (Banco do Nordeste, da Amazônia e Fundo do Centro Oeste).
Informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) do terceiro trimestre
de 2002.

https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11085/1/NT_O_sistema_tributario_Publicacao_Preliminar
.pdf
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) representa uma
estruturação formada por países e parceiros estratégicos dedicados ao desenvolvimento econômico,
conhecido como Clube dos Ricos, pois seus integrantes apresentam elevado PIB per capita (produto
interno bruto por habitante), além de elevados indicadores de desenvolvimento humano, representando
cerca de 80% do comércio mundial e investimentos.
Valor apurado dólar internacional, por meio do método conhecido como Paridade de Poder de Comp ra

  • PPP para permitir uma comparação entre países e, posteriormente, convertido em R$.
    28
    29
    30
    31
    32
    renda per capita média dos países da OCDE é o dobro da renda brasileira
    o fato da média de isenção lá ser 50% acima da nossa. Nossa faixa de isenção do IRPF,
    mesmo baixa, corresponde a mais de 40% do PIB per capita brasileiro, escancarando o
    tamanho do desafio que temos pela frente.
    , reequilibrando
    Assim, a análise sobre possível defasagem (ou não!) na tabela progressiva do IRPF
    não pode ser emocional ou ideologizada e precisa de maior profundidade do que
    simplesmente pegar o IPCA acumulado e aplicar sobre uma base inicial, qualquer que
    seja ela.
    Para contribuir com o debate, serão apresentados, na tabela a seguir, alguns possíveis
    caminhos para atualização da tabela para o ano de 2023:

A tabela não sinaliza sugestão de atualização, apenas apresenta possibilidades
interpretativas:
a) Se tabela está defasada desde 1996 e for aplicado o IPCA desde então, a
faixa de isenção saltaria para R$ 4.743;
b) No caso de retroagir a defasagem apenas para 2015, essa atualização levaria
a faixa de isenção para R$ 2.961. Esse valor estaria em linha com a média
aplicada pelos países membros da OCDE; e
c) O Projeto de Lei nº 2.337/21 foi aprovado na câmara dos deputados e
atualizou a faixa de isenção em 31,3%, percentual que representa em torno
de 60% da inflação (IPCA) desde abril de 2015. Importante lembrar que as
faixas seguintes receberam atualização menor no normativo, cerca de 13%
e tinha ali outro importante dispositivo que era a redução do teto do desconto
simplificado de 20%, de R$ 16.754 para R$ 10.563, reduzindo um pouco o
alcance desse benefício. No entanto, o PL está paralisado no senado federal
e parece ter poucas chances de avançar.

  1. A necessidade de se elevar consideravelmente as deduções por dependentes e com
    educação ou de se adotar o sistema de splitting familiar para a tributação da renda
    familiar
    A atualização da tabela progressiva do IRPF reduzirá um pouco a carga tributária,
    mas não aperfeiçoará a sua pessoalidade. Para tanto, é preciso outra perspectiva: faz-se
    necessário ampliar a atenção aos encargos familiares.
    32
    https://www.oecdbetterlifeindex.org/pt/quesitos/income-pt/.
    A família é uma comunidade de vidas em que há dever mútuo de assistência, com
    solidariedade entre seus membros. A família nutre, cuida, educa, assegura a sobrevivência
    e o desenvolvimento dos seus membros, em especial das crianças. Forte nesse papel
    constitutivo do ser humano como ser social civilizado é que cabe ao estado valorizar,
    proteger e promover a família.
    Conforme o art. 226 da Constituição, “A família, base da sociedade, tem especial
    proteção do Estado”, o que se soma ao princípio da capacidade contributiva para exigir
    políticas tributárias que preservem o mínimo vital de cada um dos seus membros de modo
    efetivo. O art. 6º, 3, da Lei Geral Tributária portuguesa, chega a prescrever que “A
    tributação respeita a família e reconhece a solidariedade e os encargos familiares,
    devendo orientar-se no sentido de que o conjunto dos rendimentos do agregado familiar
    não esteja sujeito a impostos superiores aos que resultariam da tributação autónoma das
    pessoas que o constituem”. Nosso Código Tributário Nacional é omisso sobre a matéria,
    mas o mesmo se impõe, também em nosso país, porquanto a aferição da real capacidade
    contributiva dos arrimos de família depende da consideração dos encargos familiares.
    Efetivamente, em matéria de IRPF, é essencial que a legislação tenha em conta o
    conjunto da renda familiar, o número de membros da família (e.g., pai, mãe e três filhos)
    e os direitos fundamentais sociais a serem atendidos, dentre os quais a educação, a saúde,
    a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer e a segurança.
    Nas últimas décadas, foram realizadas políticas assistenciais de suplemento de renda
    para famílias paupérrimas, mas pouco se olhou para a classe média, no sentido de facilitar
    que consiga, por conta própria, destinar sua renda às suas necessidades próprias de modo
    mais satisfatório.
    A pessoalidade do imposto de renda precisa ser mais bem trabalhada para que
    efetivamente reflita as responsabilidades dos titulares de renda no contexto familiar, de
    modo que se perceba qual a sua real capacidade contributiva. Isso porque é sabido que, à
    mesma capacidade econômica, podem corresponder distintas capacidades contributivas.
    É o que vislumbramos, por exemplo, quando comparamos dois contribuintes com os
    mesmos rendimentos, mas em situações marcadas por circunstâncias próprias: um
    vivendo sozinho, sem dependentes; outro, arrimo de uma família de cinco integrantes. O
    arrimo de família tem deveres que o sobrecarregam, porquanto precisa prover ao menos
    o mínimo existencial e, sendo possível, o médio existencial dos diversos integrantes do
    núcleo familiar, seus dependentes. Volume significativo dos seus recursos fica
    comprometido com o atendimento desses deveres.
    Tais encargos, diga-se, não são sequer eletivos, mas obrigações impostas pela própria
    Constituição. Os deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo
    homem e pela mulher (art. 226, § 5º, da CF), sendo “dever da família, da sociedade e do
    Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito
    à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
    dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-
    los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
    e opressão”. Note-se que são deveres, em primeiro lugar, da família. Ademais, os pais
    “têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever
    de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade” (art. 229). Lembre-se,
    por fim, que a “família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas,
    assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e
    garantindo-lhes o direito à vida”.
    O legislador brasileiro, ao cuidar da tributação da família, limita-se a autorizar
    deduções por dependentes e deduções de despesas de educação e de saúde a eles
    referentes. Mas essas deduções são muito baixas. Enquanto, em 2019, na Alemanha, a
    dedução anual por dependente foi de 7.620 euros, bastante próxima do limite de isenção
    de 9.740 euros, por sua vez, no Brasil, a dedução anual por dependente foi de apenas R$
    2.275,08, muito abaixo do limite de isenção que, embora já defasado pela falta de
    correção da tabela, foi de R$ 22.847,00.
    procura preservar o mínimo vital do contribuinte. A dedução por dependente tão inferior
    ao limite de isenção evidencia que não está contemplado o necessário para manter livre
    de tributação o necessário para assegurar a subsistência do dependente. A dedução das
    despesas com educação, por sua vez, está limitada a R$ 3.561,50 anuais, o que também é
    bastante modesto e, em regra, inferior ao custo da educação.
    33
    Esse limite de isenção, lembre-se, é o que
    Há outro modelo de tributação mais adequado, que melhor retrata a afetação da renda
    familiar à satisfação dos direitos fundamentais dos seus integrantes. Esse sistema,
    chamado de splitting familiar, pressupõe que os titulares da renda tem de prover o mínimo
    existencial de todos os membros da família, de modo que reconhece o montante
    necessário para esse fim como patamar de imunidade ao imposto de renda tantas vezes
    quantos forem os membros, baseado no próprio elenco de direitos fundamentais, a
    impedir que a tributação recaia sobre os rendimentos indispensáveis para satisfazê-los.
    Não faz sentido, efetivamente, exigir tributos de arrimos com baixos rendimentos e,
    simultaneamente, ter os membros da família como destinatários de benefícios
    assistenciais prestados pelo governo. Que se deixe que a família consiga prover,
    diretamente, suas próprias necessidades.
    O splitting familiar, portanto, é modelo de tributação em que os rendimentos dos
    integrantes da família economicamente ativos, normalmente os cônjuges, são somados
    para, logo em seguida, dividir-se a renda total pelo número de integrantes da família,
    obtendo-se o denominado “quociente familiar”, que evidencia a renda per capita daquela
    família para que se tenha o efeito de uma tributação individual para cada integrante, com
    respeito à progressividade gradual, preservando-se da tributação o mínimo vital de cada
    qual.
    Instituído na França em 1945, guarda uma peculiaridade: na divisão da renda familiar
    para a obtenção do quociente que balizará a tributação, cada cônjuge é considerado uma
    parte, mas os dois primeiros filhos são considerados, cada qual, meia parte, sendo que, a
    partir do terceiro, conta-se cada qual como uma parte inteira. AMALIA GEWEHR
    PAULSEN ensina que, “dessa forma, um casal com um filho terá suas rendas divididas
    por dois e meio; um casal com dois filhos, por três; outro casal com três filhos, por
    quatro”.
    34
    33
    Na prática, quem percebe até R$ 28.559,70 está dispensado da apresentação da declaração, porquanto tal
    é o valor da isenção somada à dedução simplificada de 20% pela qual qualquer contribuinte poderia optar.
    PAULSEN, Amalia da Silveira Gewehr. Tributação da família no imposto de renda. São Paulo:
    Noeses, 2022.
    34
    Na legislação brasileira, quando haja a declaração de ajuste em conjunto, a tabela do
    imposto de renda aplica-se sobre a soma dos rendimentos do casal, de modo que se
    sujeitará a uma única tabela, ou seja, ao enquadramento, uma única vez, em cada uma das
    faixas de isenção e de alíquotas de 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%. Esse sistema, como regra,
    torna a tributação mais onerosa, pois, em vez de se aplicar a tabela a cada renda, aplica-
    se a uma única vez tendo como referência a totalidade dos rendimentos. Desse modo,
    deixa-se de ter duas faixas de isenção, ficando-se com uma única; deixa-se de ter duas
    faixas de alíquota de 7,5% para ter uma única; e assim por diante. Só será vantajosa essa
    modalidade quando estiver associada à circunstância de os rendimentos de um dos
    cônjuges serem muito baixos e as suas despesas dedutíveis muito altas, de modo que a
    declaração em conjunto viabilize a dedução de tais despesas, e.g., com saúde, reduzindo
    a base de cálculo global, o que alcançará favoravelmente o cônjuge que percebe maiores
    rendimentos. Na declaração conjunta, constará, também, a referência aos filhos
    dependentes, tal como já referido.
    O legislador brasileiro, por respeito ao princípio da capacidade contributiva e em
    cumprimento ao dever de especial proteção da família, deve elevar substancialmente as
    deduções por dependentes ou, melhor que isso, adotar o sistema opcional de splitting
    familiar, com o qual resguardará o mínimo existencial de todos os integrantes do núcleo
    familiar. Enquanto tal não ocorre, evidenciam-se inconstitucionalidades na tributação da
    renda familiar, porquanto compromete a dignidade da pessoa humana.
  2. O entendimento do STF que desonera as pensões decorrentes do Direito de
    Família como geradora de violação à capacidade contributiva.
    Há distorção no imposto de renda da pessoa física saudada por decisão do próprio
    STF na ADI 5.422. Refiro-me à intributabilidade das pensões decorrentes do Direito de
    Família.
    O STF entendeu que “Alimentos ou pensão alimentícia oriundos do direito de
    família não se configuram como renda nem proventos de qualquer natureza do credor
    dos alimentos, mas montante retirado dos acréscimos patrimoniais recebidos pelo
    alimentante para ser dado ao alimentado”. Sob a perspectiva de gênero, ponderou-se
    que “após a dissolução do vínculo conjugal, a guarda dos filhos menores é concedida à
    mãe”, sendo que a “incidência do imposto de renda sobre pensão alimentícia acaba por
    afrontar a igualdade de gênero, visto que penaliza ainda mais as mulheres” que, além
    de “criar, assistir e educar os filhos, elas ainda devem arcar com ônus tributários dos
    valores recebidos a título de alimentos, os quais foram fixados justamente para atender
    às necessidades básicas da criança ou do adolescente”. Houve, ainda, voto ressaltando
    que “os valores recebidos a título de pensão alimentícia decorrente das obrigações
    familiares de seu provedor não podem integrar a renda tributável do alimentando, sob
    pena de violar-se a garantia ao mínimo existencial”.
    TIPKE esclarece que a pensão implica transferência de capacidade contributiva do
    alimentante para o alimentando. A pensão alimentícia, efetivamente, é rendimento que,
    por força de escritura pública ou decisão judicial, é repassado do alimentando ao
    alimentante, passando a constituir, ainda que por equiparação, renda deste, a ela sendo
    plenamente equiparável sob a perspectiva da capacidade contributiva.
    Entendemos que a visualização da pensão sob a perspectiva de gênero ou da
    hipossuficiência do alimentando pode ser adequada ao Direito de Família, mas
    absolutamente impertinente, inadequada e injusta sob a perspectiva do Direito Tributário.
    Não se deve confundir o direito ou não à pensão, com a posição do titular de renda perante
    o Fisco, que depende da sua capacidade econômica, sendo constitucionalmente vedado
    diferenciar-se os contribuintes em razão da “denominação jurídica dos rendimentos,
    títulos ou direitos” (art. 150, II, da CF). Para fins de tributação, importa a capacidade
    contributiva e esta é igual para quem recebe pensão de 5.000 reais e para quem recebe
    salário de 5.000 reais.
    A invocação da proteção ao mínimo existencial num dos votos, por sua vez, também
    parece não ter avaliado adequadamente a questão. É que não apenas quem percebe pensão
    tem a necessidade de atender seu mínimo vital, mas todas as pessoas. Não é por outra
    razão que a tabela do imposto sobre a renda estabelece uma faixa de isenção e que inicia
    a progressividade gradual com alíquota branda de 7,5% para ir aumentando a alíquota
    conforme se verifique incremento da capacidade contributiva, passando pelas faixas de
    15% e 22,5%, até chegar na alíquota máxima de 27,5%. A legislação já contempla a
    possibilidade de tributação do alimentando em separado, de modo que sempre foi possível
    a aquele que detém a guarda e é responsável pelo filho fazer a declaração do menor em
    separado, para que se beneficie da faixa de isenção e da progressividade gradual, com o
    que já era preservado seu mínimo vital. Quem recebida pensões módicas, já não pagava
    ou pagava muito pouco imposto sobre a renda.
    As pensões de alto valor é que acabaram sendo desoneradas, com ofensa à
    generalidade, à universalidade e à progressividade. O efeito social da medida é perverso.
    Comparemos a situação de duas mulheres. A que vive da pensão do seu ex-marido e tem
    a guarda dos filhos, já tinha reconhecido pela legislação o direito de realizar a declaração
    da pensão do filho em separado, com aplicação de tabela própria, beneficiando-se de
    isenção até a respectiva faixa para o filho e para si própria, duas vezes portanto, mas,
    agora, receberá sua própria pensão e a do filho e delas disporá completamente
    desoneradas do imposto de renda, ainda que sejam de elevadíssimo valor. Já analisamos
    caso em que se tratava de pensão de mais de cem mil reais mensais. A outra mãe, com a
    qual a comparamos, tem uma criança cujo pai jamais foi identificado ou já está órfã de
    pai e não conta com nenhuma outra pessoa responsável por compartilhar com a mãe os
    encargos econômicos da criação do filho, mãe esta que vive do seu próprio salário
    exclusivamente e que, a par de trabalhar sua jornada, ainda cuida dos seus filhos e os
    sustenta sozinha, só tem direito a pequena dedução por dependente e à dedução das suas
    despesas com saúde e de educação, sujeita a limite bem módico, sendo certo que os seus
    rendimentos tributáveis que ultrapassam o valor mensal de R$ 4.664,68 submetem-se à
    alíquota de 27,5% conforme a tabela progressiva atualmente em vigor. Não tributar a
    pensão, mas tributar o salário não parece medida de justiça.
    Mas essa situação, diferentemente daquelas decorrentes da legislação tributária, tem
    suporte em acórdão do STF, razão pela qual, apenas por Emenda Constitucional é que se
    pode pretender corrigi-la, emenda que afirme a competência da União para tributar renda
    e proventos de qualquer natureza, “inclusive pensões decorrentes do Direito de Família”.
  3. Arrecadação do Imposto sobre a Renda e sua participação no orçamento público
    A União é responsável pela arrecadação de seis impostos dentre os doze ativos hoje
    no Brasil: IR, IPI, IOF, II, IE e ITR. Além disso, tem nas contribuições expressivo
    percentual do seu orçamento anual: PIS, COFINS, CSLL e outras menos relevantes para
    fins de arrecadação, como a CIDE-Combustíveis e a CIDE-Remessa ao Exterior, por
    exemplo. Além dos impostos e contribuições cobrados basicamente sobre renda e
    consumo, há a cobrança de contribuições previdenciárias, que estão fora da análise neste
    trabalho, pelo seu escopo específico.
    Comparando a arrecadação da união desde 1995, desconsiderando as contribuições
    previdenciárias, é possível perceber no gráfico a seguir o aumento da participação
    percentual dos tributos sobre o lucro (IR e CSLL), em detrimento de outros tributos:

Participação % dos Tributos Arrecadados pela RFB
(sem Previdência Social)
60%
40%
20%
0%
1995
1999
2003
2007
2011
2015
2017
2019
2021
2022
IR + CSLL
PIS + COFINS
IPI
IMPOSTOS SOBRE COMÉRCIO EXTERIOR
OUTROS (IOF, CPMF, CIDE,…)

Observe que a tributação sobre a renda (IRPF, IRPJ e CSLL) apresentou expressivo
crescimento desde 1995, quando representava 44% do total arrecadado pela RFB e em
2022, ano em que a participação alcançou 58,6%, com crescimento de 33,6% ao longo
dos últimos 27 anos.
Todavia, quando esse crescimento é depurado, percebe-se um aumento maior na
tributação do IR de pessoa jurídica e da CSLL do que de pessoa física, o que parece
contraditório, já que a alíquota combinada de IRPJ e CSLL variou pouco desde 1996
enquanto a tabela progressiva do IRPF teve atualização bem menor que a inflação do
período e vem congelada desde abril de 2015. O que explica esses números? É sobre isso
o debate no próximo tópico.

  1. O círculo da pejotização: migração dos rendimentos da pessoa física para a
    pessoa jurídica e seu retorno à pessoa física como distribuição de lucros isenta do
    imposto sobre a renda
    O ponto principal a ser incluído na análise foi o processo de pejotização que passou a
    regular diversas relações de trabalho desde 1996. Com a isenção de IR na distribuição de
    lucros e dividendos, houve migração de valores que antes eram caracterizados como
    rendimentos do trabalho assalariado ou não (autônomos) para rendimentos oriundos de
    lucros e dividendos, recebidos de empresas, que muitas vezes foram criadas apenas para
    realização de trabalho pessoal do contribuinte. Os dados disponíveis de declarantes (total
    e aqueles, dentre os declarantes, que recebem distribuição de lucros e dividendos) desde
    2006, com o valor total recebido das empresas são apresentados na tabela a seguir e
    comprovam a citada pejotização:
    35
    ,
    35
    Embora as alíquotas de imposto de renda pessoa jurídica sejam as mesmas há 27 anos, o adicional de
    10% continua sendo cobrado sobre a parcela anual que exceder a R$ 240 mil, sem qualquer ajuste desde
  2. Se aplicada a atualização pelo IPCA, esse adicional passaria a ser exigido apenas sobre o lucro anual
    acima de R$ 1.265.634.

Os 4,1 milhões de contribuintes que receberam distribuição de lucros e dividendos em
2020 nada pagaram de IRPF, contrariando o dispositivo constitucional da universalidade,
abrindo isenção para um grupo expressivo de declarantes (13% do total), cujo valor de
lucros e dividendos recebidos alcançou 15% da renda total declarada no ano. Nesse grupo,
há pequenos investidores e contribuintes de renda mais elevada que investem em ações
de companhias abertas. Contudo, há parte expressiva que obteve rendimentos de atividade
pessoal, individual e esse contribuinte deixou de pagar o imposto de renda como pessoa
física, passando a efetuar o pagamento do IRPJ e da CSLL (além de PIS, COFINS e ISS)
na sua empresa, com alíquota combinada menor, reduzindo sua tributação. Por exemplo,
suponha um psicólogo, com renda bruta mensal de R$ 15 mil, que atendia seus clientes
em seu consultório, emitindo recibos e sendo tributado como pessoa física, com as
deduções permitidas, inclusive os gastos do exercício da atividade profissional
devidamente registrados no carnê-leão. Supondo que ele tenha R$ 3.000 (20%) de
despesas dedutíveis no IRPF, a tendência é o uso do SIMPLES como forma de tributação,
o que reduziria o encargo total tributário pela metade.
Para consolidar a explicação da pejotização no Brasil, nas duas tabelas a seguir são
apresentados extratos resumidos das declarações de IRPF, em dois momentos: em 2007,
primeiro ano disponível na página da RFB e em 2020, último dado liberado:

✓ RB/Mês = Dados considerando salário-mínimo de R$ 1.100 do ano de 2021 como base;
✓ Alíquota Efetiva = IR Devido / Rendimentos Totais (tributáveis + isentos);
✓ VAR % ALIQ. ¹ = Aumento (azul) ou redução (vermelho) da alíquota efetiva de 2007 para 2020;
✓ RTEF s/ RT = Percentual dos rendimentos com tributação definitiva (exclusiva na fonte) sobre os
rendimentos tributáveis.

Observe que a alíquota efetiva sobe até a quarta faixa de renda média em 2020, caindo
nas duas faixas de renda mais elevada. E essa distorção é ainda maior, pois dentro de cada
faixa temos tipos diferentes de contribuintes. Por exemplo, no universo de 3,7 milhões de
contribuintes que declararam renda mensal entre R$ 11 e 22 mil em 2020, temos:
▪ Contribuintes
preponderantemente
aposentadorias ou pensões (maioria). Esses têm alíquota efetiva média
variando entre 16% e 24%;
▪ Contribuintes (estima-se em torno de 25% dos declarantes da faixa) com
rendimentos preponderantemente oriundos de distribuição de lucros e
dividendos, cuja alíquota efetiva média oscila entre 1% e 6%;
▪ Contribuintes (em torno de 15%) com rendimentos distribuídos entre valores
tributáveis (salários, aposentadorias, pensões) e parcelas isentas (distribuição
de lucros, rendimentos financeiros e ganhos de capital). A alíquota efetiva
média tem maior oscilação, variando entre 8% e 18%.
(maioria, estima-se
oriundos
60%
de verbas
do
salariais,
total)
trabalho
com
rendimentos
autônomo,

Esse fato acontece em todas as faixas de renda, mas principalmente naquelas de renda
mais elevada. Há executivo estatutário com renda anual de R$ 3 milhões (R$ 250
mil/mês), valor recebido integralmente como rendimentos tributáveis. Admitindo que ele
possua deduções de R$ 200 mil (valor elevado, por conta das limitações existentes),
pagaria IRPF de R$ 760 mil, correspondendo a 25,3% sobre a renda bruta. E, suponha
que na mesma faixa de renda exista um profissional de saúde, exercendo suas atividades
por meio de uma empresa prestadora de serviços médicos no município do Rio de Janeiro,
enquadrada no lucro presumido na atividade hospitalar, com presunção de lucro de 8%
para o IR e 12% para CSLL . Ele pagará de IRPJ+CSLL+PIS+COFINS+ISS
mais de 6% e terá algo entre 1% e 2% para cobrir as despesas com o profissional de
contabilidade e outros gastos básicos da empresa, recebendo toda a sobra como
distribuição
desproporcional, injustificável sob qualquer ângulo de interpretação.

  1. Análise da distribuição da renda e do crescimento patrimonial nos últimos 14
    anos no modelo atual de tributação
    A concentração de renda mundial aumentou durante a pandemia, conforme pode ser
    lido nos relatórios da OXFAM Brasil. A RFB abriu um novo extrato dos declarantes de
    imposto de renda de 2006 a 2020 por centis de declarantes, descendo a análise aos decis
    nas rendas mais elevadas. Com isso, torna-se possível organizar esses dados para análise
    e uso no processo de reforma tributária que o país construirá durante o ano de 2023.
    Para fazer a comparação entre 2006 e 2020 a tabela da próxima página mostra a
    comparação da participação na renda e no patrimônio total de declarantes em cada uma
    das faixas, com a seguinte divisão sequencial:
    ✓ Primeiro as nove faixas com os 90% dos declarantes de menor renda, cada
    uma delas com 10% dos declarantes, da menor renda total para a maior.
    Assim, até 10% são os declarantes de menor renda (até R$ 1.002/mês), na
    faixa seguinte entram aqueles entre 10,01% até 20% (renda mensal até R$
    1.967), enquanto na nona e última faixa estão inseridos os contribuintes entre
    80,01% e 90% da base, com renda mensal variando entre R$ 8.265 e R$
    13.445 em 2020;
    ✓ Em seguida, são apresentadas três faixas, considerando os contribuintes entre
    os 4,01% e 10% de maior renda da base, contemplando renda mensal entre R$
    13.445 e R$ 23.051, cada uma delas com 2% do conjunto dos declarantes.
    ✓ Depois, mais três faixas, pegando aqueles contribuintes que estão entre os
    1,01% e 4% de maior renda da base, com renda mensal entre R$ 23.051 e R$
    41.670, cada faixa contemplando 1% dos declarantes.
    ✓ Mais três faixas na sequência, dessa vez contemplando, no somatório, um
    grupo de 0,9% (255 mil contribuintes) dos declarantes de maior renda, entre
    0,11% e 1%, na faixa mensal que varia de R$ 41.670 a R$ 177.992.
    ✓ Na sequência, outras três faixas, contemplando, no somatório, um grupo de
    0,09% (25,5 mil contribuintes), com os declarantes de maior renda, entre
    0,011% e 0,1% dos mais ricos do país, na faixa que oscila entre R$ 177.992 a
    R$ 931.036 por mês.
    ✓ Finalmente, a última faixa concentra um grupo de 3,2 mil pessoas (0,1% com
    maior renda dos declarantes), com renda mensal acima de R$ 931.036.
    A abertura e os detalhes são apresentados na tabela a seguir:
    36
    37
    pouco
    de
    lucros,
    sem
    qualquer
    tributação.
    A
    diferença
    é
    gigantesca,
    36
    O Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Tema nº 217 (REsp nº 1.116.399), em recurso
    repetitivo, permitiu o aproveitamento dos percentuais de presunção diferenciados (8% para o IRPJ e 12%
    para a CSLL) a todas as clínicas e laboratórios médicos abrangidos no art. 20 da Lei nº 9.249/1995, que
    realizam “serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia
    patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas”.
    ISS calculado pelo modelo uniprofissional no município do Rio de Janeiro-RJ, conforme Lei Municipal
    nº 3.720/04 e alterações.
    37

¹ Abertura dos declarantes conforme o nível mensal de renda (tributável + exclusiva na fonte + dividendos
e lucros recebidos), da menor renda para os grupos com renda mais elevada, utilizando como base o ano de
2020.
² Aumento (em vermelho) ou Redução (em azul) da alíquota efetiva de IRPF (IR devido / (Renda Tributável

  • Exclusivo na Fonte + Lucros e Dividendos Recebidos)) de 2006 para 2020.
    ³ A participação na renda e no patrimônio soma 100% e mede o aumento (azul) ou redução (vermelho) da
    parcela proporcional do grupo de contribuintes.
    4 O IPCA do período 2006/2020 ficou em 114%, enquanto a variação da taxa selic chegou a 144%.

A tabela sinaliza aumento médio na alíquota de IRPF sobre a renda de 2006 para 2020
em 11%, mas percebe-se REDUÇÃO na alíquota efetiva para o grupo que concentra os
4% de declarantes com maior renda, ou seja, esse grupo de contribuintes, que representa
algo em torno de 1,2 milhão de pessoas, foi o que conseguiu migrar mais valores
submetidos a tabela progressiva para rendimentos isentos ao longo desses 14 anos.
Em seguida, as colunas que mostram os percentuais de participação na renda e no
patrimônio apenas confirmam que o modelo tributário adotado no Brasil nesse século é
concentrador de renda. O país cresce pouco, mas mesmo esse crescimento reduzido tem
a maior parte destinada para uma pequena parcela da população, aquela que possui renda
mais elevada.
Analisando cuidadosamente a tabela percebe-se queda no patrimônio e na renda da
grande maioria dos declarantes de renda média. Chama atenção um grupo de 9,5 milhões
de contribuintes (4º ao 6º decil), com renda mensal (em 2020) entre R$ 2.635 e R$ 4.718
que foi, na média, o mais prejudicado nesses 14 anos. Sua alíquota efetiva de IRPF
aumentou de 0,05% em 2006 para 1,31% em 2020, com a participação na renda total
caindo 7%, enquanto o patrimônio líquido médio desses declarantes apresentou queda de
35% na participação do total de bens sobre a base total de contribuintes. Assim, a relação
patrimônio/renda desses quase 10 milhões de contribuintes de classe média caiu 6% nos
últimos 14 anos, enquanto o crescimento médio da base ficou em 38% no mesmo período.
Por outro lado, um grupo bem menor, de 9,5 mil contribuintes (0,03% mais ricos) que
estão no topo da tabela, com renda mensal acima de R$ 491 mil, teve sua alíquota efetiva
de IR reduzida de 4,2% (2006) para 3,7% (2020), com queda de 11%. Com isso, sua
participação na renda total aumentou para 6,9% e no patrimônio total dos declarantes
saltou de 9,9% (2006) para 11% (2020). Com isso, sua relação patrimônio/renda
aumentou 41% nos últimos 14 anos, acima do crescimento médio de 38%. É o rico
ficando cada vez mais rico, enquanto aquele contribuinte médio vem sendo sufocado cada
vez mais pelo modelo tributário vigente, que não é o único culpado dessa situação, mas
certamente precisa ser analisado para que possa contribuir com a redução da enorme
desigualdade de renda e patrimônio que tem o país.
Portanto, não há dúvida de que a tributação sobre a renda precisa de profundos ajustes,
mas que devem ser integrados com a necessidade de reforma da tributação sobre o
consumo. O peso dos impostos e contribuições incluídos nos preços dos bens e serviços
consumidos principalmente pela classe média é elevadíssimo, aumentando a parcela da
renda consumida e dificultando naturalmente sua evolução patrimonial.

  1. Como ajustar a legislação brasileira às diretrizes constitucionais, buscando
    justiça tributária no imposto sobre a renda da pessoa física no Brasil.
    O diagnóstico apresentado é desafiador e exige de todos os estudiosos do tema e dos
    representantes do povo (poderes executivo e legislativo) análise criteriosa para que seja
    promovida profunda mudança no modelo de cobrança do imposto de renda da pessoa
    física no Brasil, que precisa cumprir os critérios estabelecidos pelo art. 153, § 2º, da CF.
    Ajustes pontuais são insuficientes para corrigir a regressividade escondida na nossa
    legislação. É preciso reconduzir de modo efetivo o IRPF aos critérios da generalidade, da
    universalidade e da progressividade para que os princípios da capacidade contributiva e
    da isonomia sejam efetivamente observados e que se alcance justiça tributária.
    O IRPF, dentre todos os impostos, é o mais vocacionado à pessoalidade. Incidindo
    sobre disponibilidade de renda nova e tendo em conta as necessidades fundamentais do
    seu titular e dos respectivos dependentes, pode gravar a capacidade contributiva efetiva
    de cada contribuinte ou agregado familiar.
    38

Para que o legislador remodele virtuosamente esse que é o principal imposto pessoal
do nosso Sistema Tributário, como, aliás, sói acontecer mundo afora, apresentamos dois
grupos de propostas.
O primeiro, apresentado por Leandro Paulsen, simplifica o imposto e submete todas
as rendas de todos os contribuintes à mesma tabela, revertendo a regressividade que hoje
marca o imposto, de modo que passemos a ter efetiva e moderada progressividade em
cumprimento aos dispositivos constitucionais já existentes e bem estabelecidos. Não tem
a finalidade de aumentar a arrecadação, tampouco de reduzi-la, mas, isso sim, de conduzi-
la a um modelo mais justo em que todos paguem, com isonomia e limites. Vejamos:

  1. Converter todas as tributações em separado e exclusivas na fonte em meras
    retenções por conta do que venha a ser devido, integradas por ocasião do ajuste
    anual em uma base de cálculo universal do IRPF;
  2. Submeter, com isso, todos os rendimentos ao ajuste pela mesma e única tabela
    progressiva, independentemente da sua origem, natureza ou denominação,
    inclusive juros sobre capital próprio, juros e dividendos pagos aos sócios,
    lucros distribuídos aos empregados, pró-labore, pensões decorrentes do
    Direito de Família e outras pensões substitutivas dos ganhos mensais, ganhos
    de capital e rendimentos financeiros.
  3. Atualizar a tabela progressiva, ampliando a faixa de isenção para que abarque
    o mínimo vital do contribuinte, consideradas as necessidades fundamentais
    constitucionalmente elencadas, e trabalhando com mais três faixas tributadas,
    de modo gradual, de 15%, 22,5% e 27,5%.
  4. Revogar os benefícios fiscais extravagantes, ressalvadas apenas deduções
    atinentes às despesas efetivas com saúde, educação e moradia.
  5. Estabelecer mecanismo de cálculo para fins de tributação conjunta opcional
    que implique multiplicar os patamares da tabela progressiva pelo número de
    integrantes da família, senão com o mesmo peso, ao menos atribuindo ao
    titular da renda peso 1 e aos dependentes peso 0,5.
  6. Relativamente às pessoas físicas titulares de pessoas jurídicas unipessoais que
    estejam no regime do Simples Nacional, autorizar a dedução, do imposto
    devido, do montante já suportado a título de imposto sobre a renda (fração do
    recolhimento unificado que é destinada ao imposto sobre a renda) pela pessoa
    jurídica.
    O segundo grupo de propostas, apresentado por Paulo Henrique Pêgas, considera o
    histórico e as peculiaridades da tributação da renda da pessoa física no Brasil e procura
    minimizar as injustiças do sistema. As mudanças sugeridas tendem a gerar um aumento
    38
    BULHÕES PEDREIRA já destacava que “a unidade do contribuinte nem sempre coincide com sua
    individualidade pessoal” e que, “ao contrário, um dos princípios defendidos pelos formuladores da teoria
    do imposto” era “a definição da família como unidade contribuinte básica”. Falava, assim, no “princípio da
    unidade familiar”, fundado na “proposição de que a capacidade contributiva de uma família não é igual à
    soma da capacidade contributiva dos seus membros considerados individualmente” Vide: PEDREIRA, José
    Luiz Bulhões. Imposto de Renda. Rio de Janeiro: APEC Editora, 1969, 1-14 e 1-15.
    na arrecadação do IRPF, que passaria a ser o principal imposto do país. Essa arrecadação
    maior seria fundamental para que fosse possível a redução das alíquotas do imposto de
    renda das empresas e a simplificação da cobrança de impostos e contribuições sobre o
    preço dos bens e serviços, desonerando as cadeias produtivas, incentivando a produção e
    melhorando o ambiente de negócios no país. O objetivo seria realocar de forma justa a
    cobrança de impostos entre propriedade, renda e consumo, além dos encargos sociais e
    aproximar a distribuição da nossa carga tributária à média verificada nos países da OCDE.
    Considera fundamental promover, pelo menos, cinco alterações imediatas no modelo
    atual:
  7. Ajustar a tabela progressiva atual, aumentando a faixa de isenção para algo
    em torno de R$ 2.604 (dois salários-mínimos), começando a tributar com
    alíquota de 15%, variando 5% a cada faixa, com cinco faixas, sendo a última,
    de 35%, para renda líquida mensal acima de R$ 40 mil. O IRPF seria reduzido
    para 2/3 dos declarantes que pagam o imposto, aumentando para o terço de
    maior renda, sempre de forma proporcional. Seria mantido o modelo
    simplificado, com redução do teto atual de R$ 16.754 para algo em torno de
    R$ 10 mil.
  8. Tributar lucros e dividendos recebidos, por meio de uma tabela exclusiva
    (anual), com isenção até R$ 60 mil e três alíquotas apenas: 10% nos valores
    recebidos entre R$ 60 mil e R$ 180 mil/ano; 15% sobre valores recebidos
    entre R$ 180 mil e R$ 600 mil/ano; e 20% para valores anuais acima de R$
    600 mil. Essa isenção preservaria o pequeno investidor na bolsa de valores e
    o micro/pequeno empresário, que tem como única renda os lucros da sua
    microempresa ou empresa de pequeno porte – EPP. Por exemplo, supondo um
    pequeno empresário, com renda mensal de R$ 8 mil oriunda de distribuição
    de lucros, ele teria um imposto de renda de R$ 300, alcançando apenas 3,75%
    da sua renda mensal. Outro, com renda mensal de R$ 20 mil teria IRPF de R$
    1.750, pagando 8,75%, alíquota menor que aquela aplicada à tributação sobre
    a renda oriunda do trabalho. Mesmo um contribuinte, com retirada mensal de
    R$ 100 mil oriunda de lucros e dividendos teria um IR devido de R$ 16.250,
    correspondendo a pouco mais de 16% sobre o valor recebido.
  9. Revogar a permissão para pagamento de juros sobre capital próprio.
  10. Criar mecanismos (semelhantes aos existentes no SIMPLES) para limitar o
    uso do lucro presumido a empresas com receita total até R$ 78 milhões no ano
    anterior, impedindo grupos empresariais de se beneficiar dessa tributação
    favorecida, abrindo vários CNPJs e colocando todos eles com tributação
    reduzida.
  11. Reduzir a alíquota combinada de IRPJ+CSLL das empresas inicialmente para
    30%, com perspectiva de redução maior nos anos seguintes, conforme o
    comportamento da arrecadação. Seria mantido, inicialmente, o acréscimo de
    CSLL nas instituições financeiras e seguradoras.
    Em paralelo, Pêgas sugere, ainda, a análise de outras medidas:
    a) Revisar criteriosamente as deduções existentes no IRPF, criando o modelo de
    “crédito” para dedução referente aos gastos com saúde e educação privada;
    b) Adotar medidas restritivas para evitar o uso de despesas pessoais de
    sócios/acionistas nas empresas, como forma de fugir da tributação sobre os
    lucros distribuídos;
    c) Criar/ajustar incentivos tributários para empresas com maior percentual de
    empregados registrados sobre sua receita; e
    d) Avaliar a possibilidade de, futuramente, juntar todos os rendimentos dos
    contribuintes sob uma única tabela progressiva, com objetivo de simplificar o
    cálculo do imposto de renda pessoa física e evitar distorções, conforme
    proposto por Leandro Paulsen.
    Eis, portanto, tanto propostas de uma nova e mais simples estrutura de tributação
    da renda da pessoa física, como de aperfeiçoamento da legislação com vista à redução
    das distorções.
  12. Considerações finais
    Espera-se que a reforma do Sistema Tributário Nacional tenha o efeito de criar melhor
    ambiente para o crescimento econômico do país, dando simplicidade e neutralidade à
    tributação, sobretudo do consumo, mas que também possa corrigir injustiças em matéria
    de imposto de renda da pessoa física, porquanto o modelo atual apresenta-se regressivo
    ao desonerar até mesmo por completo os maiores rendimentos com privilegiadas
    tributações em separado ou exclusivas na fonte sob alíquotas mais baixas ou zeradas e
    colocar maior carga tributária relativa sobre os rendimentos da classe média, sobretudo
    dos assalariados e dos servidores públicos.
    Em matéria de imposto de renda sobre a pessoa física, muito se pode fazer pela via da
    legislação ordinária, bastando que se estabeleça regime adequado aos preceitos
    constitucionais de generalidade, universalidade e progressividade, de modo que todas as
    pessoas sejam chamadas ao pagamento do imposto sobre a renda e que paguem sobre o
    conjunto de todos os seus rendimentos de modo progressivo, respeitando-se a dignidade
    da pessoa humana, a capacidade contributiva e dando-se efetividade também à isonomia.
    Emenda constitucional só se exige para superar entendimento equivocado do STF no
    sentido de que as pensões decorrentes do Direito de Família não seriam tributáveis.
    Ademais, é importante que haja neutralidade na tributação, não gerando, e.g.,
    situações em que pessoas que prestem serviços estejam sujeitos a cargas muito distintas
    em razão de os oferecerem enquanto pessoas físicas ou jurídicas ou que a carga da
    tributação sobre os rendimentos em geral, inclusive do trabalho, seja mais pesada do que
    sobre a distribuição de lucros e dividendos, a distribuição de lucros a empregados,
    rendimentos financeiros, e ganhos de capital em geral.
    Nos últimos 27 anos, a tabela do IRPF foi atualizada poucas vezes, a última delas em
    abril de 2015, quando a faixa de isenção correspondia a aproximadamente 2,5 salários-
    mínimos, estando hoje em torno de apenas 1,5 salário-mínimo. Nos quase oito anos sem
    atualização, a inflação medida pelo IPCA bateu 55,5%. A recomposição da tabela, ainda
    que não seja suficiente para corrigir as injustiças do modelo de tributação do IRPF, é
    importante em atenção à dignidade da pessoa humana, considerando-se que os
    rendimentos da pessoa são, até certa medida, voltados à satisfação das suas necessidades
    mais básicas, reconhecidas constitucionalmente como direitos sociais.
    Importante, também, é que se acentue a pessoalidade do IRPF, sobretudo em atenção
    à redução de capacidade contributiva decorrente dos encargos familiares. As deduções
    por dependente autorizadas pela legislação atual não resguardam recursos suficientes para
    satisfazer seus direitos fundamentais. Modelo mais adequado é o de splitting familiar, em
    que o conjunto da renda da família é dividido pelo número de integrantes da família,
    obtendo-se o denominado “quociente familiar”, que evidencia a renda per capita da
    família, submetendo-se cada parcela à tabela progressiva e, com isso, obtendo-se o efeito
    de uma tributação individual para cada integrante, o que resguarda o mínimo vital de cada
    qual.
    A exclusão das pensões decorrentes do Direito de Família da incidência do imposto
    sobre a renda é distorção gerada por acórdão do Supremo Tribunal Federal cujo efeito
    social pretendido já era atendido, ao menos parcialmente, pela possibilidade de
    declaração em separado do alimentante, com as respectivas deduções e submissão à tabela
    progressiva. O efeito prático do acórdão é perverso, gerando privilégio para grandes
    pensões, só passível de correção mediante emenda constitucional que torne expressa sua
    submissão ao imposto.
    O elevado peso dos encargos sociais na contratação de pessoas físicas e a isenção de
    IRPF na distribuição de lucros e dividendos, desde 1996, forçaram a migração de muitos
    brasileiros do trabalho enquanto pessoa física para a prestação de serviços mediante
    constituição de pessoas jurídicas, mesmo unipessoais, com o único propósito de atrair
    menor tributação. Pessoas que oferecem seu trabalho e recebem a mesma contraprestação
    suportam, atualmente, carga muito distinta, que podem variar entre 7% e 26%, conforme
    o serviço seja prestado enquanto pessoa física ou mediante pessoa jurídica. Resta evidente
    a violação à isonomia frente aos que permaneceram atuando como empregados ou
    autônomos, bem como à neutralidade, sendo visível o efeito extrafiscal de indução à
    constituição de pessoas jurídicas muitas vezes de fachada, o que precarizou relações
    tipicamente trabalhistas.
    A aplicação indevida da seletividade, no imposto de renda, isentando certas categorias
    de rendimentos, fez com que as isenções, que representavam 23% do total recebido pelos
    declarantes em 2007, subissem para 36% em 2020 e preponderantemente nas faixas mais
    elevadas de renda. Isso contraria abertamente o princípio da capacidade contributiva e
    tem como causa a desconsideração dos critérios específicos da generalidade, da
    universalidade e da progressividade. E não se resolve esse problema apenas atualizando
    a tabela progressiva, por mais que isso seja necessário.
    Considerando-se o potencial arrecadador do imposto de renda e as características que
    permitem sua cobrança mediante apuração em concreto da capacidade contributiva de
    cada contribuinte, por incidir sobre disponibilidade nova de riqueza e se prestar, mais que
    qualquer outro tributo, à personalização que implica consideração das circunstâncias
    pessoais de cada um, é importante que o maior número de contribuintes a ele esteja
    submetido, pagando conforme suas possibilidades. Todos devem pagar, de forma
    progressiva, conforme sua capacidade contributiva, o que só se viabilizará, de modo
    consistente, se a sua base de cálculo abranger a totalidade dos rendimentos de cada
    contribuinte, independentemente da ocupação profissional ou função por eles exercida ou
    da atividade econômica realizada, de serem provenientes do trabalho ou do capital, de
    terem tal ou qual origem e seja qual for a denominação jurídica dos rendimentos.
    Fazer a reforma tributária em 2023 será um enorme desafio para a sociedade, não só
    para o Congresso e o Governo. E ela só poderá ser chamada assim, de REFORMA
    TRIBUTÁRIA, com destaque, se o modelo de tributação concretizado sobre a renda for
    profundamente alterado e o IRPF passar a se adequar efetivamente aos critérios de
    generalidade, universalidade e progressividade, bem como aos princípios da capacidade
    contributiva, da isonomia e da neutralidade da tributação. A reforma tributária que se
    espera, em grande parte, está nas mãos do legislador ordinário.

REFERÊNCIAS

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